Professora Leila Salum Menezes da Silva, dona Leila é tão minha querida professora que não me acostumo em chamá-la de doutora.
A casa sempre igual, os sofás de couro marrom dispostos um a frente do outro, a pequena mesa de apoio coberta com toalha de crochê. A cadeira de balanço. O barulho da rua 11 de agosto fica distante tal é o ânimo da conversa. Os livros arrumados na estante de parede inteira. As fotos da família em porta retratos contam histórias, guardam sorrisos. O vezo estilístico da escritora pontuando a conversa em humor e drama. Ela estende-se além dos reveses sofridos, ama a literatura, ostenta o que lhe faz bem, os detalhes aqui não são pequenos, comenta a beleza dos netos, o jeito de cada filho, ri fazendo brilhar seus olhos de menina. Sêo Gilton sempre por ali lhe dando atenção, um casal bonito.
Enquanto a escrita e a leitura são assuntos mortos neste país na casa de Leila falamos de livros. Folheio um belíssimo livro de arte, em primorosa edição com fotos e texto dos monumentos do Distrito Federal, presente do Ministro Celso de Mello que carinhosamente ela chama de Celsinho. E conta que quando Celsinho tinha de 10 para 11 anos e era seu aluno no Instituto de Educação Barão de Suruí ela, no meio de uma aula sobre adjetivos restritivos e explicativos pede um exemplo aos alunos de adjetivo explicativo e lembra, são aqueles que tem a qualidade essencial, que não acrescenta nada, por exemplo leite branco. Celsinho de pronto levanta a mão e diz: homem mortal. Ao contar este fato ela revela o orgulho de ter tido um aluno tão brilhante entre seus muitos queridos alunos.
Como está sendo fazer pós graduação de processo civil aos 76 anos de idade?
Eu me lembro que Sêo Borges dizia: “Catão, aprendeu grego aos 80 anos”.
Está sendo um aprimoramento do meu curso de graduação na FKB com o grande professor Soares Hungria. Adoro estudar, sou muito Jamul Salum, meu irmão também um estudioso.
Quando eu me aposentei eu fiquei meio vendida e meu filho Cassiano me entusiasmou a fazer faculdade de Direito. Um dia encontrei com Dona Zeneide que havia me proposto o vestibular para Direito. Estudamos juntas e passei em primeiro lugar entre mais de 1000 candidatos.
Como foi voltar aos estudos?
Minha turma era privilegiada, existia gente madura e profissionais com interesse em crescer.
O que é ser professora? É apenas um ofício ou é uma identidade?
Não é nem ofício, nem identidade é uma benção.
Tenho ex-alunos que me cumprimentam pelas ruas e isso é muito gratificante.
Certa vez, o juiz Dr. Marcelo, do juizado de menores, em uma audiência notou que todos me cumprimentaram, quando passavam pela porta. Ele comentou sobre esta minha popularidade, que eu credito aos anos em que lecionei língua portuguesa no Instituto de Educação Barão de Suruí e outras escolas. Fui professora não só do ministro José Celso de Mello, mas de 90% dos advogados do fórum. Dentre eles, o doutor Ivo Mendes, doutor Benê, e doutor Lincoln.
O interessante é que também fui professora de criminosos, corruptos, todos frequentavam a mesma sala de aula.
Se eu nascesse de novo, eu gostaria de ser professora. A palavra mestra é muito significativa. Jesus era um mestre.
Nasci em um berço que prezava o estudo. Minha mãe contratava professores de violino e francês para a formação de meus irmãos. Daí, me veio o gosto pelo estudo.
Se fosse possível escolher, ser um personagem de literatura. Qual você escolheria?
De cinema. Eu me identifico com a Ingrid Bergman, principalmente no filme Casablanca. Em literatura, seria Laura de Petrarca, ou Fermina Daza, a heroína do romance “O Amor nos Tempos de Cólera”, de Gabriel Garcia Marques.
Estudiosa da obra do escritor tatuiano Paulo Setúbal, o que você diz de seu estilo literário?
Paulo Setúbal é genial. Tanto nos romances históricos, como na poesia e no Confiteor, onde ele se desnuda ante a eternidade.
Como trazer Paulo Setúbal para os dias deste agora, sem ser maçante?
É difícil. Em época de internet é muito raro alguém descer os livros da estante para fazer pesquisa. A criançada está na mídia eletrônica e nem se importa mais.
Será avanço ou retrocesso? Será que a leitura toma muito tempo e a mídia em torno é mais imediata?
Vai muito da pessoa. O gosto pela leitura é quase que genético. Hoje, as pessoas querem resumo. Tudo pronto.
A saída?
Comprem livros, deem livros, comentem livros.
E o mundo de hoje?
Tem preço e não tem valor. As pessoas e as coisas são extremamente descartáveis. Contudo, eu me surpreendo com o mundo. Acho o mundo maravilhoso.
Não vamos jogar no lixo a tecnologia, sou do tempo dos rádios de pilha e elétrico. Gosto dos tempos de antanho, mas gostaria de ter nascido mais tarde, pois tem muito a desfrutar. Eu me emociono muito com as coisas.
Tatuí, ternura
Nós somos um povo acolhedor. Todos que aqui vem se sentem familiarizados e bem. Ainda há um pouco de esperança. A Praça da Matriz nos fins de semana é uma maravilha.
A nossa primeira dama é extraordinária, muito atuante. Nosso prefeito transformou a cidade.
O importante são as pessoas e não as coisas.
Para minha querida mestra,
Enquanto as pessoas se assustam e se acomodam com a passagem do tempo Leila Sallum floresce estudiosa, estabelecendo novos padrões de busca pelo conhecimento, novas marcas para o tempo acadêmico que sedimentam nosso respeito ao estudo agregando respeito e valor à língua portuguesa. Nesta Tatuí ternura, Leila ocupa um lugar imenso, minha mestra. Estar com ela tem a força de um acontecimento, um duo em que o cotidiano é tratado com decência, amizade e cultura.
Cristina Siqueira
Um comentário:
Recebi por email o comentário que transcrevo a seguir:
Cristina, parabéns por nos permitir conhecer um pouco mais a "Dona" Leila -- nossa mestra na escola e nas lutas da vida.
Regina Mantovani
Agradeço o crinho,
Cris
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