Ser tatuiano é amar música, teatro e luteria, é ser cidadão da Capital da Música. É tocar trompete debaixo da janela do diretor, é carregar a tuba na bicicleta, contramão da São Bento. É dizer bom-dia até para poste, abrir a porta para as senhoras e idosos, é enrolar o “r” com orgulho, é rimar arraiá com casá, conversar com desconhecido, é cornetar. Ser tatuiano é frequentar o Conservatório, dizer de boca cheia que é o maior da América Latina, e que seu fio, seu véio e sua patroa lá estudaram. É saber diferenciar uma viola de arame de uma viola sinfônica. Enfim, é ter música no sangue, poderoso antígeno contra vírus de todos os tipos, dos espanhóis aos do mau humor.
Ser tatuiano é vir de mala e cuia de São Paulo, Minas, Cuiabá, Peru, Paraguai, Itapetininga e adjacências, é sujar a botina de elástico de barro vermeio, é pitar cigarro de páia, uns bons minutos para bem prepará-lo. É gostar da pinga dos Ramos, do pão-de-queijo do Café Canção, do relógio da São Martinho, do pesqueiro do Doc, do Abud do Colina, do bar da Lena, do dog do Gordo, do Paulinho, do Caipirinha e do Caipirão do Arnaldo, do enorme shopping center livre da XI, é ficar vendo a estátua do Del Fiol “tocar” na praça da Matriz, é trombar com vereador no supermercado, com o Guarda Civil na banca de jornais, com o delegado no concerto.
E a tatuiana? Ser tatuiana é usar salto alto, calça preta e apear da Honda Bizz, tirar o capacete cor-de-rosa desarrumando os cabelos, é ser educada, é ser dona de casa, professora do “Barão”, do Anglo ou do Objetivo, é ser aluna da Etec ou da Fatec, é chorar de alegria, é sorrir de nostalgia, como dizia Noel, é usar calça jeans com brocado de prata nos bolsos de trás, é pranchar o cabelo ou fazer escova sempre que possível, é fazer social no Conservatório, é dançar bolero ao som da Big-band no Coreto, é aplaudir o Jazz Combo, o Coro, os Grupos de Choro e de Percussão e achar tudo fashion. Ser tatuiana é a coisa mais linda, mais cheia de graça, menina que vem e que passa, mais que um poema num doce balanço a caminho do lar. Ser Maria sem eira nem beira, Maria somente, Maria semente de samba e de dor, é ser Maria José ou Cristina Siqueira.
Ser tatuiano é madrugar no banco da praça da Matriz e contar do sordado marvado que mandô pórva no bandido, é ler “assombrações caipiras” e acreditar nelas, é ser teen e ir no Uainá, no Clube XI, jogar no RealMatismo, é fazer festa no República, comer pastel no Tambelli, dividir por quatro uma parmeggiana no Doca’s, é fazer rabada, leitão à pururuca ou assar linguiça na calçada, é prosear com o cumpadi na soleira da porta, é contar do peixão que (não) fisgou no Pantanal, e, óbvio, evidente, encher a boca para falar do sucesso da Lyra em Serra Negra ou em Bayreuth, na Alemanha.
Enfim, ser tatuiano é só ver telejornal da região na TV TEM ou no SBT, é saber, como dizia o Gil, que “a bomba explode lá fora, aqui o que vou temer...”, é gostar da música de raiz, de seresta e da Sinfônica – que são duas, banda e orquestra! -, é ter orgulho da água pura da Sabesp, do desemprego que caiu. É saber (saravá, Vinicius) que os namorados caminham de mãos entrelaçadas, e que os maridos funcionam regularmente, porque hoje é sábado. Parabéns, Tatuí!
Trancoso na intimidade
Há 7 anos
4 comentários:
Parabéns Tatuí, que eu já estou te amando de paixão!
Eu não sinto toda essa euforia pela minha querida Nova Iguaçu, mais assim como você descreve com paciência o cidadão Tatuiano, eu penso que tal paz também reside em Nova Iguaçu. Sinto-me seguro na minha cidade.
Ao passo que a mesma euforia que tu tens pela tua cidade eu sinto ainda que em poucos pela cidade de São Lourenço/MG... Cidade de terra batida, mata virgem e montanhas altas, frio no osso, gelo nas torneiras... clima bão sô... Ainda hei de conhecer mais da minha nova cidade São Lourenço, pois a casa ficou pronta este ano e eu não tive a oportunidade de conhecer bem aquele lugar.
Direto do Rio.
Beijos.
A Estela mandou e vim conferir a crônica.
Linda declaração de amor.
Tatuí merece! Cidade de grandes músicos, alguns dos quais já tive a honra de conhecer.
Ah! Meu marido é trompetista, mas para infelicidade (dele), não estudou em Tatuí.
bjs Cris
Rossana
Henrique Autran Dourado se mostra um grande articulista e cronista. Esta crônica é digna de entrar para o rol das crônicas antológicas sobre Tatuí.
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